Vista aérea da campina de Nhamundá (AM), na divisa com o Pará. Arquivo: Cid Ferreira |
Espalhados pela imensidão amazônica, dois ambientes se confundem quando vistos do alto. Campinas e campinaranas ocupam juntas cerca de 30 mil km2, têm nomes parecidos, se misturam até nos mapas do Instituto Brasileiros de Geografia e Estatística (IBGE), mas, de perto, são muito diferentes.
“As campinas parecem mesmo com o fundo do mar e têm plantas semelhantes às das restingas”, diz o botânico Carlos Alberto Cid Ferreira, do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), considerado um dos maiores coletadores de espécies da região e que acaba de concluir pesquisa de doutorado sobre as áreas de campina amazônica. Já as campinaranas, além de terem espécies mais altas, com muitas epífitas (plantas que vivem sobre outros vegetais), apresentam o solo coberto por serrapilheira.“As campinaranas se parecem mais com as florestas do que com as campinas, fisionomicamente e floristicamente”, afirma o pesquisador do Inpa.
Considerado um dos maiores coletadores espécies vegetais da Amazônia, pesquisador exibe exemplar de Coccoloba, gênero com a maior folha do mundo entre as dicotiledôneas. Arquivo: Cid Ferreira |
Há duas explicações para a origem das campinas na Amazônia. A primeira é que elas seriam resultado de incêndios na floresta. Nesta paisagem, são encontradas espécies que ressurgem com facilidade após serem atingidas pelo fogo. Mas o pesquisador tende a acreditar em outra teoria. Após o desaparecimento do grande lago de água salgada que existia sobre a Amazônia há milhões de anos, em um período anterior ao surgimento da Cordilheira dos Andes, as últimas áreas a secar teriam dado origem às atuais campinas. “Mesmo em regiões elevadas, as campinas ficam em depressões cercadas pelas campinaranas”, descreve Cid Ferreira.
Para Cid Ferreira, a profundidade do lençol freático é a principal causa das diferenças entre as duas paisagens. Em uma campina amazônica, a água fica entre 1 e 3 metros abaixo da terra, enquanto nas campinaranas, está até 7 metros de profundidade. “A água é um fator limitante para o crescimento das raízes e das plantas, por isto as espécies nas campinas são menores”, explica o pesquisador.
A confusão entre estas paisagens remete ao começo do século XX, quando as campinas foram descritas como caatinga-igapó. Na década de 60, Willian A Rodrigues chamou esses ambientes de caatinga do Rio Negro. Dificuldades explicadas pelo Cid Ferreira: “A cheia do rio transforma a paisagem. Quando os rios enchem, encontramos igapós. Mas nas vazantes, nos mesmos lugares, campinas e campinaranas. Foi por este motivo que o botânico tentou pesquisar essa vegetação em áreas de pouca influência das cheias.
Ambientes únicos
Clusia columnares, espécie endêmica de campina. Arquivo: Cid Ferreira |
As são ambientes únicos, com espécies que não são encontradas em outras paisagens amazônicas, segundo explica Cid Ferreira. Apenas 17% das espécies de plantas de campinas ocorrem também nas campinaranas, e menos de 4 % existem também nas florestas de terra firme. De maneira bem diferente, campinaranas e florestas de terra firme compartilham mais de 30% das espécies. Raríssimas espécies são encontradas nos três ambientes.
Cid Ferreira percorreu Acre, Roraima, Amazonas, Pará e Amapá atrás das campinas amazônicas. Nesses ambientes, registrou 252 espécies (considerando apenas arbustos com mais de cinco centímetros de tronco e 1,3 metros de altura). Na Serra do Aracá (AM), encontrou a maior biodiversidade nas campinas, 44 famílias de plantas. Uma grande diferença em relação a Cruzeiro do Sul (AC), onde foram encontradas apenas 17 famílias.
Apesar da distância entre os locais de ocorrência das campinas, algumas apresentaram similaridades. Duas espécies dominam regiões opostas no mapa amazônico, a Pagamea guianensis e a Humiria balsamifera, que podem ser encontradas facilmente tanto no Hemisfério Norte, em Cantá (RR), quanto no sul da Amazônia, na Serra do Cachimbo (PA). As duas espécies coletadas em Cruzeiro do Sul (AC), também são muito parecidas com as encontradas no rio Negro. Uma delas, a Laden bergia amazonensis, pertence a família do café (rubinae). A outra é parente da castanheira (Lecythidaceae).
Ameaças
Campina no Parque Nacional do Viruá (RR). Arquivo: Cid Ferreira |
Mapas do IBGE identificam campinaranas (e campinas) apenas na região do rio Negro e no município de São Paulo de Olivença, no rio Solimões. Mas o botânico demonstra que há campinas em todas as direções na Amazônia. “Na Amazônia Oriental, a transição das campinas para as florestas é feita pela campinarana. Nos ocidente e sul da Amazônia, as campinas ocorrem ao lado do Cerrado”, descreve Cid Ferreira.
Além de raros, esses são ambientes ameaçados. E, nisso, campinas e campinaranas voltam a se assemelhar. Perto de Manaus, elas estão sendo destruídas pelo crescimento da cidade. “O que mais cresce no Brasil se chama construção civil. E de onde se tira tanta areia, principalmente aqui em Manaus?”, indaga Cid Ferreira. “A pior situação está em campinas próximas às estradas, como em Vigia do Nazaré, no Pará, onde a área estudada fica a cinco quilômetros da cidade”.
Cid lamenta que a maior parte das campinas estudada por ele não esteja protegida pela lei. As exceções são o Parque Nacional do Viruá, em Roraima, e a Serra do Aracá no Amazonas, onde existe sobreposição parcial entre um parque estadual e a Terra Indígena Yanomami. Mas em Humaitá (AM), por exemplo, que não fez parte da pesquisa, as campinas associadas ao Cerrado foram destruídas pela produção de grãos. Um dos únicos alentos às campinas neste contexto é o fato de, por abrigarem espécies de ambientes abertos, resistentes inclusive ao fogo, estão entre as áreas da Amazônia menos vulneráveis ao aquecimento global.
* Vandré Fonseca é jornalista em Manaus.
Reportagem postada no site OECO na terça-feira, 25 agosto 2009, 19:30
Link: http://www.oeco.org.br/reportagens/22342-as-campinas-da-amazonia/
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